terça-feira, 29 de março de 2011

Visita à Penitenciária Estadual de Santa Maria: Jardineiros de Vidas Humanas


“Não sei de nenhuma outra forma de advogar mais dolorosa e pungente que a advocacia criminal. Tudo nela é dor e desespero. Os próprios triunfos têm seu tanto de amargor, porque, enquanto pende o processo e se prepara a causa, há sofrimento que a vitória não apaga completamente.”

           No último dia 16 de março, a OAB foi convidada a participar da inspeção do CNJ à Penitenciária Estadual de Santa Maria, ainda não oficialmente inaugurada, mas já em pleno funcionamento, por conta da necessidade de alocar presos que se amotinaram em janeiro, no Presídio Regional.
            Participaram da visita, além da comitiva designada pelo CNJ para a inspeção, a juíza da Vara de Execuções Penais, três promotoras de justiça, o assistente jurídico da SUSEPE, o delegado penitenciário e a Comissão do Advogado Criminalista, representando a OAB Santa Maria.
            O diretor do presídio foi submetido a um extenso questionário, o qual revelou alguns avanços, mas uma série de deficiências ainda pendentes de correção na Penitenciária Estadual de Santa Maria.
“O Código Penal é uma espécie de índice geral ou agenda dos sofrimentos humanos, sempre muito mais freqüentado pelos menos favorecidos.”

            A construção da Penitenciária seguiu projeto do Governo Federal, e tem um bom espaço para a ala de saúde, com gabinetes médicos, odontológicos e psicológicos bem definidos, contando, inclusive, com celas para presos em isolamento em razão de tratamento de saúde. Entretanto, faltam profissionais em todas as áreas. Em uma emergência, a solução ainda é remover o preso ao Pronto Atendimento Municipal.
            Existe uma marcenaria ainda inativa, que funciona hoje como depósito de colchões, mas que será uma oportunidade de trabalho aos presos. Hoje, caso um dos mais de 70 presos queiram trabalhar, as possibilidades são as tradicionais cozinha, limpeza.
            Um fato curioso diz respeito à lavanderia. As máquinas de lavar e secar compradas não passam pelas portas da Penitenciária, de modo que se encontram paradas esperando que um guindaste as eleve e coloque dentro do pátio interno.
            O sistema de segurança por câmeras é bom e funciona muito bem – como não era de se esperar diferente, em uma instituição carcerária o controle sempre se sobrepõe aos direitos dos apenados. Uma série de câmeras, todas operadas por controle remoto, percorrem todas as áreas comuns, podendo aproximar, afastar, girar e gravar as imagens.

“Todo o processo tem a grandeza da pessoa humana, para que o Direito está posto. E onde estiver a pessoa humana envolvida, tudo tem de ter a marca das coisas eternas. No processo penal, está a dolorosa estética do belo horrível."

            O parlatório – ainda que haja promessa para breve – ainda não tem interfone para a comunicação do advogado com seu cliente.
            A arquitetura da Penitenciária não foi corretamente adequada para o clima gaúcho. As paredes das celas são idênticas às paredes que isolam o corredor do pátio interno, vazadas, por onde passar tanto o mormaço quente, como o cortante minuano. Desde já, final do verão, as celas são adaptadas com cobertores, buscando um mínimo isolamento térmico. O que será no inverno? Está aí um problema para ser resolvido, em conjunto, com a Execução Penal, a SUSEPE, Ministério Público, relacionado à saúde dos apenados.
            O que mais toca, entretanto, não são os aparatos tecnológicos, ou as estruturas físicas. O que verdadeiramente choca é que uma penitenciária que está muito abaixo de sua lotação, ao passar de sua porta de entrada tem o mesmo cheiro morno de gente amontoada. O mito de que a superlotação é a responsável pela dificuldade de reincidência cai nos primeiros passos dentro desta estrutura que foi projetada para moer e dizimar dignidades. A individualidade e a alteridade dão espaço para um número gravado em um uniforme. Viraram estatísticas.
            Estudos de sociologia do encarceramento, em especial com Roberto Bergalli, evidenciam que com o desenvolvimento da sociedade industrial dos séculos XVIII e XIX, a livre oferta e demanda foi alimentada pela exploração do trabalho assalariado. Com isto, houve a necessidade de um controle punitivo calcado em um direito liberal que tivesse por foco a proteção de bens jurídicos individuais. Os excluídos do sistema, e, portanto, não proprietários de “bens” se tornaram a principal clientela do sistema penal.
            Diante disto, fortalecia-se o binômio cárcere e fábrica como eixo de uma disciplina social. Assim, quem não aprendia as regras do comportamento fabril, deveria, portanto, aprendê-lo no âmbito carcerário.
            Não se precisa ir longe para ver que todo o identificado por Bergalli tem manifestação concreta em nosso sistema de direito positivo. Todos que já advogaram no âmbito criminal já devem, em algum momento, ter utilizado como um dos fundamentos de pedido de liberdade provisória o fato de o réu “ter emprego lícito”. Na fase de execução progride a pena mais rapidamente aquele que trabalha. Nos regimes semiaberto e aberto torna-se imprescindível a demonstração de trabalho para galgar a liberdade.
            Em verdade, não há, nunca houve, uma pretensão de ressocialização baseada quase numa ética reformista de Calvino da salvação pelo trabalho justo e honesto. O que, inconscientemente, há é o reconhecimento legislativo (uma elite que, no mais das vezes está imune ao cárcere) de que aquela clientela é a clientela que põe a perigo os bens da elite, que presa deixa de trabalhar nos negócios da elite, e que, portanto, deve produzir algo em retorno ao prejuízo que está causando à sociedade.
É necessário e urgente focar a política de ressocialização no reconhecimento do apenado enquanto outro, pessoa dotada de individualidade, e, como tal, sujeita à toda a dignidade que o artigo 5º abstratamente reconhece. Finalizo com mais uma citação de Eliezer Rosa, o “Juiz Humano”, como todas as acima: Só é bela a sentença que realizar a Justiça, ou dela mais aproximar-se, com um mínimo de dor humana. Somos jardineiros de vidas humanas.”


Bruno Seligman de Menezes [Advogado Criminalista, Professor Universitário (FADISMA), Presidente da Comissão dos Advogados Criminalistas da OAB Santa Maria, Especialista em Direito Penal Empresarial (PUCRS), Meste em Ciências Criminais (PUCRS), Doutorando em Derecho Penal y Criminología (Univ. Buenos Aires)]

segunda-feira, 28 de março de 2011

"Os Limites do Direito Penal" - Paulo César Busato e Sandro Montes Huapaya (Turma de Dto Penal I)

Prezados Alunos
Segue, abaixo, link para download do Capítulo "Os Limites do Direito Penal" (BUSATO, Paulo César; HUAPAYA, Sandro Montes. Introdução ao Direito Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2007. pp. 119-169).
Para quem não quiser ler no computador, ou imprimir, este texto está na minha pasta, de Penal I, no Xerox.
Link: http://www.4shared.com/document/R2T9p-_B/Os_limites_do_Direito_Penal.html
Abraços,
BM


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Location:R. Venâncio Aires,Santa Maria,Brasil

Lançamento de Grupo de Estudos e Projeto de Extensão na FADISMA

Prezados,
Neste final de semana foi protocolado junto à Gerência de Projetos da FADISMA os projetos referentes ao Grupo de Estudos e ao Projeto de Extensão.
Abaixo constam as informações necessárias para a inscrição.
Aguardo suas inscrições,
Bruno

GRUPO DE ESTUDOS "BOTEQUIM CRIMINOLÓGICO"

Vagas - 10
Encontros: Primeiras e terceiras quartas-feiras do mês,
Início: 20/04
Inscrições: 28/03 à 1º/04
Seleção: Histórico (pode ser impresso do portal) + Resenha crítica do texto de Louk Hulsman, disponível no site: http://www.itecrs.org/artigos/criminologia/2.pdf
Pré-requisitos: Ter sido aprovado em Direito Penal III

PROJETO DE EXTENSÃO "LABORATÓRIO DE EXECUÇÃO PENAL"
Vagas - 4
Encontros: Segundas e quartas quartas-feiras do mês,
Início: 13/04
Inscrições: 28/03 à 1º/04
Seleção: Histórico (pode ser impresso do portal) + Solução jurídica para o caso: "Na Comarca de Gramado, A.B.C. foi preso em flagrante no dia 27 de março de 2011, por estar, supostamente, portando 13 pedras de crack, embaladas individualmente, de modo a caracterizar o tráfico ilícito de drogas. Lavrado o auto de prisão em flagrante, o magistrado da 1ª Vara Criminal homologou o flagrante, convertendo, de ofício, a prisão em flagrante em preventiva, porque o crime tinha gravidade que justificava a segregação cautelar. Disse ainda que não se admitia liberdade provisória por ser crime equiparado a hediondo".
Pré-requisitos: Ter sido aprovado em Processo Penal II
Exigências: Ter disponibilidade de tempo para ir ao Fórum, Presídio, Penitenciária, Case

sábado, 26 de março de 2011

A resistência - Marcelo Rubens Paiva - Estadão - 25.03.2011

Neste ano, faz 40 anos da prisão e morte do meu pai, no porão do I Exército do RJ.

A Secretaria dos Direitos Humanos me procurou no ano passado, para perguntar como poderíamos homenageá-lo.

Tive a ideia desta exposição, que abre amanhã.

Inspirada numa exposição que vi do Marighella no mesmo lugar, o MEMORIAL DA RESISTÊNCIA, museu que funciona no antigo prédio do DOPS.

Foram meses de preparo, scanners, abertura de arquivo familiar, fotos e documentos que nem sabíamos que estavam guardados.

Coincidentemente, corríamos paralelo ao livro sobre o meu pai, que o Jason Terson finalizava, SEGREDO DE ESTADO.

A abertura é amanhã às 11h e fica até julho.

Com lançamento do livro.

Todos convidados.

Minha missão, desde os 11 anos, foi denunciar, lutar, participar de movimentos civis contra a ditadura, ajudar, dar informações e, depois, usar um pouco da fama de escritor para denunciar e lutar.

Mas a arma mais barulhenta que tive nas mãos foi escrever.

Como este texto:

Caros generais, almirantes e brigadeiros

Ei ia dizer “caros milicos”. Não sei se é um termo ofensivo. Estigmatizado é. Preciso enumerar as razões?

Parte da sociedade civil quer rever a Lei da Anistia. Sugeriram a Comissão da Verdade, no desastroso Programa Nacional de Direitos Humanos, que Lula assinou sem ler. Vocês ameaçaram abandonar o governo, caso fosse aprovado.

Na Argentina, Espanha, Portugal, Chile, a anistia a militares envolvidos em crimes contra a humanidade foi revista. Há interesse para uma democracia em purificar o passado.

Aqui, teimam em não abrir mão do perdão. E têm aliados fortes, como o presidente do Supremo, Gilmar Mendes, e o ministro da Defesa, Nelson Jobim, que apesar de civil apareceu num patético uniforme de combate na volta do Haiti. Parecia um clown.

Vocês pertencem a uma nova geração de generais, almirantes, tenentes-brigadeiros. Eram jovens durante a ditadura. Devem ter navegado na contracultura, dançado Raul Seixas, tropicalistas. Usaram cabelos compridos, jeans desbotados? Namoraram ouvindo bossa nova? Assistiram aos filmes do cinema novo?

Sabemos que quem mais sofreu repressão depois do Golpe de 64 foram justamente os militares. Muitos foram presos e cassados. Havia até uma organização guerrilheira, a VPR, composta só por militares contra o regime.

Por que abrigar torturadores? Por que não colocá-los num banco de réus, um Tribunal de Nuremberg? Por que não limpar a fama da corporação?

Não se comparem a eles. Não devem nada a eles, que sujaram o nome das Forças Armadas. Vocês devem seguir uma tradição que nos honra, garantiu a República, o fim da ditadura de Getúlio, depois de combater os nazistas, e que hoje lidera a campanha no Haiti.

Sei que nossa relação, que começou quando eu tinha cinco anos, foi contaminada por abusos e absurdos. Culpa da polarização ideológica da época.

Seus antecessores cassaram o meu pai, deputado federal de 34 anos, no Golpe de 64, logo no primeiro Ato Institucional. Pois ele era relator de uma CPI que investigava o dinheiro da CIA para a preparação do golpe, interrogou militares, mostrou cheques depositados em contas para financiar a campanha anticomunista. Sabiam que meu pai nem era comunista?

Ele tentou fugir de Brasília, quando cercaram a cidade. Entrou num teco-teco, decolou, mas ameaçaram derrubar o avião. Ele pousou, saltou do avião ainda em movimento e correu pelo cerrado, sob balas.

Pulou o muro da embaixada da Iugoslávia e lá ficou, meses, até receber o salvo-conduto e se exilar. Passei meu aniversário de cinco anos nessa embaixada. Festão. Achávamos que a ditadura não ia durar. Que ironia…

Da Europa, meu pai enviou uma emocionante carta aos filhos, explicando o que tinha acontecido. Chamava alguns de vocês de “gorilas”. Ri muito quando a recebi.

Ainda era 1964, a família imaginava que fosse preciso partir para o exílio e se juntar na França, quando ele entrou clandestinamente no Brasil.

Num voo para o Uruguai, que fazia escala no Rio, pediu para comprar cigarros e cruzou portas, até cair na rua, pegar um táxi e aparecer de surpresa em casa. Naquela época, o controle de passageiros era amador.

Mas veio a luta armada, os primeiros sequestros, e atuavam justamente os filhos dos amigos e seus eleitores- ele foi eleito deputado em 1962 pelos estudantes.

A barra pesou com o AI-5, a repressão caiu matando, e muitos vinham pedir abrigo, grana para fugir. Ele conhecia rotas de fuga. Tinha um aviãozinho. Fernando Gasparian, o melhor amigo dele, sabia que ambos estavam sendo seguidos e fugiu para a Inglaterra. Alertou o meu pai, que continuou no País.

Em 20 de janeiro de 1971, feriado, deu praia. Alguns de vocês invadiram a nossa casa de manhã, apontaram metralhadoras. Depois, se acalmaram.

Ficamos com eles 24 horas. Até jogamos baralho. Não pareciam assustadores. Não tive medo. Eram tensos, mas brasileiros normais.

Levaram o meu pai, minha mãe e minha irmã Eliana, de 14 anos. Ele foi torturado e morto na dependência de vocês. A minha mãe ficou presa por 13 dias, e minha irmã, um dia.

Sumiram com o corpo dele, inventaram uma farsa [a de que ele tinha fugido] e não se falou mais no assunto.

Quando, aos 17 anos, fui me alistar na sede do Segundo Exército, vivi a humilhação de todos os moleques: nos obrigaram a ficar nus e a correr pelo campo. Era inverno.

Na ficha, eu deveria preencher se o pai era vivo ou morto. Na época, varão de família era dispensado. Não havia espaço para “desaparecido”. Deixei em branco.

Levei uma dura do oficial. Não resisti: “Vocês devem saber melhor do que eu se está vivo.” Silêncio na sala. Foram consultar um superior. Voltaram sem graça, carimbaram a minha ficha, “dispensado”, e saí de lá com a alma lavada.

Então, só em 1996, depois de um decreto lei do Fernando Henrique, amigo de pôquer do meu pai, o Governo Brasileiro assumiu a responsabilidade sobre os desaparecidos e nos entregou um atestado de óbito.

Até hoje não sabemos o que aconteceu, onde o enterraram e por quê? Meu pai era contra a luta armada. Sabemos que antes de começarem a sessão de tortura, o Brigadeiro Burnier lhe disse: “Enfim, deputadozinho, vamos tirar nossas diferenças.”

Isso tudo já faz quase 40 anos. A Lei da Anistia, aprovada ainda durante a ditadura, com um Congresso engessado pelo Pacote de Abril, senadores biônicos, não eleitos pelo povo, garante o perdão aos colegas de vocês que participaram da tortura.

Qual o sentido de ter torturadores entre seus pares? Livrem-se deles. Coragem.


Fonte: http://blogs.estadao.com.br/marcelo-rubens-paiva/a-resistencia/

Disciplina optativa de Criminologia - filme Tropa de Elite 2

Prezados,
Peço inicialmente desculpas na demora da postagem.
Quero que façam um texto dissertativo-argumentativo, crítico, sobre o filme Tropa de Elite 2. Essencialmente, quero um texto de 2 a 3 laudas, apresentando suas impressões, confrontando Tropa 1. Atenção, NÃO É RESUMO DO FILME!
Abaixo, há material de subsídio. Um texto do Luiz Eduardo Soares, um do Marcos Rolim, um post do blog do Salo de Carvalho e uma entrevista do José Padilha (via Blog do Salo).
http://rolim.com.br/2006/index.php?option=com_content&task=view&id=787&Itemid=3
http://antiblogdecriminologia.blogspot.com/2010/10/tropa-de-elite.html
http://antiblogdecriminologia.blogspot.com/2010/10/tropa-de-elite-2-no-lobotomia.html
http://luizeduardosoares.blogspot.com/2011/03/elite-da-tropa-2-projeto-literario-e.html
Não hesitem em contatar, ante qualquer dúvida.
Bruno


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Location:R. Conde de Porto Alegre,Santa Maria,Brasil

domingo, 13 de março de 2011

Bar ruim é lindo, bicho

Por Antonio Prata

Eu sou meio intelectual, meio de esquerda, por isso freqüento bares meio ruins. Não sei se você sabe, mas nós, meio intelectuais, meio de esquerda, nos julgamos a vanguarda do proletariado, há mais de cento e cinqüenta anos. (Deve ter alguma coisa de errado com uma vanguarda de mais de cento e cinqüenta anos, mas tudo bem.)

No bar ruim que ando freqüentando ultimamente o proletariado atende por Betão – é o garçom, que cumprimento com um tapinha nas costas, acreditando resolver aí quinhentos anos de história.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos ficar “amigos” do garçom, com quem falamos sobre futebol enquanto nossos amigos não chegam para falarmos de literatura.

– Ô Betão, traz mais uma pra a gente – eu digo, com os cotovelos apoiados na mesa bamba de lata, e me sinto parte dessa coisa linda que é o Brasil.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos fazer parte dessa coisa linda que é o Brasil, por isso vamos a bares ruins, que têm mais a cara do Brasil que os bares bons, onde se serve petit gâteau e não tem frango à passarinho ou carne-de-sol com macaxeira, que são os pratos tradicionais da nossa cozinha. Se bem que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, quando convidamos uma moça para sair pela primeira vez, atacamos mais de petit gâteau do que de frango à passarinho, porque a gente gosta do Brasil e tal, mas na hora do vamos ver uma europazinha bem que ajuda.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, gostamos do Brasil, mas muito bem diagramado. Não é qualquer Brasil. Assim como não é qualquer bar ruim. Tem que ser um bar ruim autêntico, um boteco, com mesa de lata, copo americano e, se tiver porção de carne-de-sol, uma lágrima imediatamente desponta em nossos olhos, meio de canto, meio escondida. Quando um de nós, meio intelectual, meio de esquerda, descobre um novo bar ruim que nenhum outro meio intelectuais, meio de esquerda, freqüenta, não nos contemos: ligamos pra turma inteira de meio intelectuais, meio de esquerda e decretamos que aquele lá é o nosso novo bar ruim.

O problema é que aos poucos o bar ruim vai se tornando cult, vai sendo freqüentado por vários meio intelectuais, meio de esquerda e universitárias mais ou menos gostosas. Até que uma hora sai na Vejinha como ponto freqüentado por artistas, cineastas e universitários e, um belo dia, a gente chega no bar ruim e tá cheio de gente que não é nem meio intelectual nem meio de esquerda e foi lá para ver se tem mesmo artistas, cineastas e, principalmente, universitárias mais ou menos gostosas. Aí a gente diz: eu gostava disso aqui antes, quando só vinha a minha turma de meio intelectuais, meio de esquerda, as universitárias mais ou menos gostosas e uns velhos bêbados que jogavam dominó. Porque nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos dizer que freqüentávamos o bar antes de ele ficar famoso, íamos a tal praia antes de ela encher de gente, ouvíamos a banda antes de tocar na MTV. Nós gostamos dos pobres que estavam na praia antes, uns pobres que sabem subir em coqueiro e usam sandália de couro, isso a gente acha lindo, mas a gente detesta os pobres que chegam depois, de Chevette e chinelo Rider. Esse pobre não, a gente gosta do pobre autêntico, do Brasil autêntico. E a gente abomina a Vejinha, abomina mesmo, acima de tudo.

Os donos dos bares ruins que a gente freqüenta se dividem em dois tipos: os que entendem a gente e os que não entendem. Os que entendem percebem qual é a nossa, mantêm o bar autenticamente ruim, chamam uns primos do cunhado para tocar samba de roda toda sexta-feira, introduzem bolinho de bacalhau no cardápio e aumentam cinqüenta por cento o preço de tudo. (Eles sacam que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, somos meio bem de vida e nos dispomos a pagar caro por aquilo que tem cara de barato). Os donos que não entendem qual é a nossa, diante da invasão, trocam as mesas de lata por umas de fórmica imitando mármore, azulejam a parede e põem um som estéreo tocando reggae. Aí eles se dão mal, porque a gente odeia isso, a gente gosta, como já disse algumas vezes, é daquela coisa autêntica, tão Brasil, tão raiz.

Não pense que é fácil ser meio intelectual, meio de esquerda em nosso país. A cada dia está mais difícil encontrar bares ruins do jeito que a gente gosta, os pobres estão todos de chinelos Rider e a Vejinha sempre alerta, pronta para encher nossos bares ruins de gente jovem e bonita e a difundir o petit gâteau pelos quatro cantos do globo. Para desespero dos meio intelectuais, meio de esquerda que, como eu, por questões ideológicas, preferem frango à passarinho e carne-de-sol com macaxeira (que é a mesma coisa que mandioca, mas é como se diz lá no Nordeste, e nós, meio intelectuais, meio de esquerda, achamos que o Nordeste é muito mais autêntico que o Sudeste e preferimos esse termo, macaxeira, que é bem mais assim Câmara Cascudo, saca?).

– Ô Betão, vê uma cachaça aqui pra mim. De Salinas quais que tem?

terça-feira, 1 de março de 2011

Presente Momesco aos alunos de Criminologia

Prezados alunos,
Os textos estão todos verificados, com links funcionando.
Aos que não conseguiram: o link vai levá-los até a página do 4shared, onde devem clicar em "Download Now"
Como eu imagino que se eu postar o livro todos vocês não vão ler, prestei-me a fazer de dois em dois capítulos, para não haver desculpas.
Se lerem cada 2 capítulos em 2 dias vencerão, com folga, a tarefa de lê-los até o dia 15 de março.
Ainda sobrará tempo para uma ou duas noites de Carnaval. Sem excessos, logicamente.
P.S. Não recomendo irem na aula sem tê-los lido.

Howard Becker - Outsiders - Versão em português
http://www.4shared.com/document/8bQzdTpj/Becker_-_Cap_I_e_II.html
http://www.4shared.com/document/8AFinARB/Becker_-_Cap_III_e_IV.html
http://www.4shared.com/document/VtIJSosJ/Becker_-_Cap_V_e_VI.html
http://www.4shared.com/document/JUwVzlLU/Becker_-_Cap_VII_e_VIII.html
http://www.4shared.com/document/B_IsO-DI/Becker_-_Cap_IX_e_X.html

Howard Becker - Los Extraños - Versão em espanhol
http://www.4shared.com/document/iWl2J0gb/Becker_-_Los_Extraos_01.html
http://www.4shared.com/document/ufnz1KVf/Becker_-_Los_Extraos_02.html

Salo de Carvalho - Ferida Narcísica do Direito Penal
http://www.4shared.com/document/jaTm1BU1/FeridaNarcisica-Salo.html

Sobre a Lei Maria da Penha e sua extensão a uniões homoafetivas

Depois de receber dos alunos Gabriel (http://www.twitter.com/malditologin) e Andressa (http://www.twitter.com/andressa_souzza) notícia sobre o juiz gaúcho que aplicou a Lei Maria da Penha para casais homossexuais, algumas idéias me ocorrem.
Malgrado todo o louvável intento da Lei Maria da Penha, de igualar mulheres que, historicamente, viveram em situação de desigualdade (física, econômica, moral, ...), entendo que esta Lei comete um erro crasso em sua estrutura. Ela não parte da idéia de alcançar à mulher à igualdade buscada, mas sim em retirar do homem a desigualdade, a fim de nivelá-lo no nível em que a mulher, indevidamente, se encontra (vítima de violência, de degradação).
Não consigo compreender como pode um dispositivo que busca a igualdade distribuir violência institucional de forma tão díspar, como é o caso da Lei Maria da Penha (apenas as mulheres em situação de violência doméstica). Isto quer dizer que, pela Lei, em um casal homossexual de mulheres estariam ambas as parceiras cobertar pela Lei, sem que houvesse um nítido 'desequilíbrio' entre elas. Em sentido contrário, em um casal homossexual de homens, nenhum deles estaria protegido pela Lei.
Um pai que exagera em seus castigos contra um filho, responde segundo as regras gerais de violência, ao passo que se o fizer contra a filha, responderá segundo a Lei Maria da Penha.
Repito: não sou contra a intenção da Lei, que, ao que tudo indica, era urgente. A forma como foi feita, institucionalizando um verdadeiro conflito de gênero, não me parece, nem de longe, a mais adequada.
Ao ler que alguns juízes identificam tal incongruência, e aplicam em várias outras situações que não só a mulher em violência doméstica, mas também o homem, como é o case gaúcho de um casal homossexual, alenta notar o senso crítico do magistrado, mas deprime ver a manipulação de um ramo tão rígido como o Direito Penal.
Se a Lei é mal-feita, que se mude a Lei; mas jamais se a flexibilize.
Não posso conceber que mesmo uma interpretação teleológica-constitucional permita que seja 'vítima' alguém que jamais foi previsto sê-lo pelo texto legal. Vale dizer, se a Lei prevê tratamento diferenciado para quem atenta contra a mulher, o que atenta contra o homem não pode ser tratado igualmente.
Muito embora a discussão pareça esquizofrênica, o que se evidencia com isto é a absoluta ausência de uma política criminal séria no Brasil. As Leis são elaboradas para atenderem interesses pontuais, e quando se as notam descabidas, ao invés de corrigi-las, criam-se verdadeiros malabarismos jurídicos para legitimarem suas existências.
Infelizmente, o que se mostra claro é que grupos que historicamente foram vítimas não querem apenas a igualdade. Querem ser algozes daqueles que os infernizavam. É da natureza humana, e evidencia que só é vítima quem não consegue ser algoz, razão pela qual a Lei não pode fazer tanta distinção como a que se propõe.
Se é ruim sem ela - e é, reconheço - porque não estender a proteção diferenciada (decorrente de lei), igualmente rigorosa, para os homens que forem vítima de violência doméstica? Se o que necessitava era proteção, ela seguirá sendo alcançada não apenas às mulheres, como também aos homens. Penso que qualquer pessoa que tenha seu compromisso calcado unicamente na preservação de direitos elementares, muito pouco terá a obstar a proposta de lege ferenda.